Ana Maria Cavaliere
A proposta de ampliação do tempo diário de permanência das crianças na escola merece análises de diferentes naturezas. Tanto aspectos relacionados à viabilidade econômica e administrativa quanto ao tipo de utilização pedagógica das horas adicionais são de grande importância. Neste artigo, vamos tratar dos formatos organizacionais pelos quais vem se dando, no Brasil, a ampliação desse tempo, entendendo-o como o período em que crianças e adolescentes ficam sob a responsabilidade da escola, dentro ou fora de suas dependências.
A escola fundamental brasileira, especialmente aquela voltada para as classes
populares, sempre foi uma escola minimalista, isto é, de poucas horas diárias, pouco
espaço e poucos profissionais. O incremento desses três aspectos pode significar o
fortalecimento de suas capacidades como agência de socialização e de difusão cultural, entretanto, nenhum deles tem valor em si mesmo e só adquirem sentido educativo
quando articulados em um projeto que formule os papéis que a escola brasileira pode
hoje cumprir, compreendendo seus limites e contradições e as possíveis e necessárias
articulações com outras instituições e processos sociais.
Na sociedade brasileira, as justificativas correntes para a ampliação do tempo
escolar estão baseadas tanto em concepções autoritárias ou assistencialistas como em
concepções democráticas ou que se pretendem emancipatórias. Por isso é preciso analisar cada experiência em sua dimensão concreta, para que se possam emitir juízos
parciais e, quando possível, generalizáveis. Este trabalho, entretanto, não vai tão longe
e visa levantar questões e abrir uma discussão, a partir de um conjunto de informações
sobre os modelos viáveis e desejáveis para o aumento do tempo de escola, que, lembre-
se aqui, está previsto no texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº
9.394/96).
A preocupação com a fundamentação político-pedagógica da ampliação do tempo
e das funções da escola tem estado presente na produção bibliográfica sobre o tema
e novos aspectos e questões em torno dele vêm surgindo devido ao aparecimento de
múltiplas experiências na realidade educacional brasileira (Cavaliere, 2007).
Os modelos de organização para realizar a ampliação do tempo de escola que
vêm se configurando no País podem ser sintetizados em duas vertentes: uma que
tende a investir em mudanças no interior das unidades escolares, de forma que possam oferecer condições compatíveis com a presença de alunos e professores em
turno integral, e outra que tende a articular instituições e projetos da sociedade que
ofereçam atividades aos alunos no turno alternativo às aulas, não necessariamente no
espaço escolar, mas, preferencialmente, fora dele.
A escolha de um ou outro modelo dá-se com base em realidades específicas
dos níveis da administração pública que os coordenam – governos federal, estaduais
ou municipais – em suas possibilidades políticas e de infra-estrutura, mas também
pode representar, conforme veremos adiante, correntes de pensamento divergentes
em relação ao papel do Estado e da instituição na sociedade.
À medida que os sistemas escolares públicos brasileiros encontram-se em fase
de expansão e aperfeiçoamento, tais escolhas não são inócuas, podem consolidar
caminhos e devem, por isso, ser explicitadas e analisadas.
Um rápido movimento retrospectivo nos lembra que, durante a década de 80,
destacou-se no Estado do Rio de Janeiro o Programa dos Centros Integrados de
Educação Pública (Cieps), com escolas de tempo integral, onde as crianças deveriam
permanecer durante todo o dia, participando de atividades curriculares variadas e
recebendo alimentação e cuidados básicos. Era um modelo que previa a abertura da
escola à comunidade, mas o movimento era centrípeto em relação à unidade escolar
(Cavaliere, 2002). Na mesma época, no Estado de São Paulo, desenvolveu-se o Programa de Formação Integral da Criança (Profic), que, através de convênio, fornecia
recursos e financiamento às prefeituras para apoiar experiências já existentes (ou a
serem criadas) de atendimento às crianças em período integral, no formato de ativida-
des variadas, dentro ou fora das escolas (Paro et al, 1988). Praticava a idéia de que a
extensão do tempo poderia ser feita em diferentes espaços, sob a coordenação das
prefeituras, caracterizando um movimento centrífugo em relação à unidade escolar.
Um levantamento feito em 2007, sobre as experiências de ampliação do tempo de escola em curso, mostrou que os caminhos trilhados pelos dois projetos da
década de 80 são paradigmáticos: as experiências encontradas enquadram-se, com
algumas variações, em um ou outro modelo.
O levantamento apenas recolheu as informações oficiais das secretarias de Estado e municipais de educação, não investigando a real condição de realização das mesmas.
Sem pretender apresentar esses modelos como já cristalizados ou necessariamente antagônicos, e sim para provocar uma reflexão, nesse momento em que se
investem recursos públicos em ambas as direções, nomearemos um modelo como
escola de tempo integral e o outro como aluno em tempo integral. No primeiro, a
ênfase estaria no fortalecimento da unidade escolar, com mudanças em seu interior
pela atribuição de novas tarefas, mais equipamentos e profissionais com formação
diversificada, pretendendo propiciar a alunos e professores uma vivência institucional
de outra ordem. No segundo, a ênfase estaria na oferta de atividades diversificadas
aos alunos no turno alternativo ao da escola, fruto da articulação com instituições
multissetoriais, utilizando espaços e agentes que não os da própria escola, pretenden-
do propiciar experiências múltiplas e não padronizadas.
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